14/02/2007

Cada ovo dará um pato, e cada pato um tostão, que passará de um milhão e meio, a vender barato.











Cada pato com seu ‘brevet’ para voar

De outro modo, leva chumbada

E no segundo tiro, é a matar

Era uma vez, há muitos, muitos anos, uma terra muito distante, onde havia muitos patos.

Havia muitas dificuldades nessa terra, e quanto mais dificuldades, mais patos.

Todos voavam, ou quase todos, uns melhor, outros pior, mas voavam.

Eram patos bons, e muitos eram lindos.

E tinham todos o direito de voar.

Estava lá na terra escrito na Lei Principal dos Patos, no Artº 58º, nº 1

http://www.parlamento.pt/const_leg/crp_port/constpt2005.doc

"Voar é um direito".

Só tinham um problema.

Eram quase todos patos mudos.

E embora não fossem da família dos patos cegos, surdos e mudos, pois eram só mudos, havia quem jurasse que muitos deles de facto não queriam ver, nem ouvir.

O que fazia desses patos piores que cegos, piores que surdos, e para mais, mudos.

E falar, então falar, sobretudo falar direito e frontal, nada, ou quase nada mesmo.

Um belo dia, os donos de uma coutada lá nessa terra muito distante resolveram que cada pato, para voar, tinha de ter um ‘brevet’, ou como eles instituíram, escreveram e mandaram publicar éditos:

Cada pato tem de tirar e voltar a tirar e tirar sempre de novo outra vez o seu Aircrew brevet.

Pior.

Acrescentaram que os patos tinham de tirar esse ‘brevet’ nas escolas de voo do maioral dessa quinta, que para esse fim tinha criado um negócio de formação de voo e pilotagem à maneira.

E dizia o Édito sobre a matéria:

Cada pato com seu ‘brevet’ para voar

De outro modo, leva chumbada

E no segundo tiro, é a matar

Tinham razão o maioral, e mais os donos da coutada onde voavam ou fingiam que voavam os patos da nossa história.

Como eles eram mudos, e como se vira, até havia quem suspeitasse que de igual modo fossem também patos cegos e surdos para além de mudos, os inventores da ideia tinham feito as contas como a Mofina Mendes toda http://pt.wikisource.org/wiki/Auto_de_Mofina_Mendes

Vou-me à feira de Trancoso

logo, nome de Jesu,

e farei dinheiro grosso.

Do que êste azeite render

comprarei ovos de pata,

que é a coisa mais barata

que eu de lá posso trazer;

e êstes ovos chocarão;

cada ovo dará um pato,

e cada pato um tostão,

que passará de um milhão

e meio, a vender barato.

As contas foram pois fáceis de fazer:

Cada pato, um tostão.

Várias vezes ao ano,

cada um seu ‘brevet’ e mais outro ‘brevet’

3.000 patos, ena pá,

p’ró ano mais mil e tantos mais

e no seguinte, outros que tais,

isso depressa dá um milhão

E p’ró outro ano, e no outro, e mais no outro,

sempre de novo um dinheirão.

Foi assim que nasceu então o famoso Édito:

Cada pato com seu ‘brevet’ para voar

De outro modo, leva chumbada

E no segundo tiro, é a matar

Que só pode vingar em terra de patos mudos, cegos e surdos, e que não decidam nem dar às asas, nem voar.

Ou lutar.

Ou emigrar.